O início da transição é sem dúvida alguma a fase mais conturbada de toda a transição de gênero. Algumas pessoas infelizmente estão expostas a uma realidade mais opressoras, o que acaba tornando tudo ainda mais difícil. Nem todas temos a aceitação da família, acesso a roupas femininas, maquiagens, hormônios e principalmente, a um psicólogo, um terapeuta, um psiquiatra, alguém que irá nos oferecer ajuda profissional para vivenciar esse momento. Entretanto, nas crises de disforia, é sempre fundamental lembrar-te que: todas nós temos um começo! E é importante vivê-lo, respeitá-lo.
Sendo franca, minha transição foi parcialmente tranquila; tive uma certa aceitação dos meus pais e a ajuda financeira deles, tive boas amigas que assim como eu eram trans, elas podiam me acolher e me entender, e também um namorado, um ótimo namorado, que estava lá por mim, para segurar minha mão, me abraçar, me acalmar, estar comigo. Talvez esse seja o segredo para uma transição saudável, cercar-se de pessoas que lhe oferecem companhia, amor, sua pura cumplicidade, sem que seu gênero seja alguma pauta relevante. Nem sempre esta compreensão e carinho virá dos seus familiares, infelizmente. Quando nos assumimos como mulheres trans, não é um processo exclusivamente nosso, ele é plural, pertence a todos que nos cercam, eles também deverão se adaptar, e na maior parte das vezes, não será fácil. Não foi fácil pra nós, quem dirá para eles! Por isso, paciência. O tempo é o único recurso que podemos ter certeza que funcionará.
A disforia de gênero transforma tudo em um monstro gigante. É ainda mais difícil lidar com o mundo a nossa volta, quando não conseguimos nem lidar com nossas próprias cabeças. Eu vivia em um constante ciclo de angústia. Eu poderia iniciar minha transição e me frustrar com a maldade do mundo, não conseguir realizar meus sonhos, viver sozinha, ou eu poderia começar, apenas começar, e pelo menos sentir-me confortável dentro da minha própria cabeça. Alguns meses antes de eu decidir que teria que tomar esse rumo, foi o pior momento da minha vida em relação as crises de ansiedade. A minha disforia de gênero era tão forte, tão monstruosa que eu sequer conseguia observar meu próprio reflexo em qualquer espelho sem me sentir atônita. Eu não me senti eu mesma durante toda minha vida antes da transição, era como se eu estivesse vivendo constantemente em uma encenação, era como se aquela vida não fosse a minha e aquele corpo não me pertencesse. O mundo que eu criei na minha cabeça, em que eu era a mulher que eu sempre sonhei, era o que existia de verdade pra mim, e começar a transição foi difícil, mas foi o que eu precisei, apenas começar.
O início de transição é um processo fundamental e individual. Cometemos erros, sentiremos vergonha no futuro vendo nossa eu do passado, mudaremos nossa cabeça diversas vezes e conheceremos a maldade nas pessoas. Mas tudo vai valer a pena, quando você estiver vivendo a vida que você sempre quis. Chega a ser cômico, mas eu pensava que a única solução de eu me tornar uma mulher seria fazendo algum tipo de pacto com o demônio, ou então entrando em um criador de avatar do The Sims da vida real (tudo isso quando eu era criança), então foi mágico pra mim descobrir que existia essa possibilidade, que eu pudesse ser quem sempre me senti, e uma hora, tomei essa decisão, mesmo sabendo que teria que abrir mão de algumas coisas; Contudo, apenas posso aconselha-las que vivam essa fase, permita-se se reinventar, redescobrir tudo; é você, trilhando do zero o que você sempre quis! É seu sonho, seu momento, sua vida. E não importa em que momento você se sentirá pronta pra fazer isso, o que importa é que quando esse momento chegar, você apenas comece .
Neste post quis trazer um bate-papo, mas acabei inspirando-me a escrever algo mais motivacional. Em suma, se estiverem passando por esse momento tão importante e quiser algum conselho, alguma ajuda, estou totalmente aberta a ouvi-las! Xoxo!